quinta-feira, 27 de janeiro de 2011

Aquilo, sobre o qual não se pode falar

Para imprensa, essa manifestação não aconteceu

Na noite do dia 17 de junho de 2009, milhões de brasileiros surpreenderam-se com a notícia do resultado de um julgamento da suprema corte do País. Poucos minutos antes do horário dos principais telejornais noturnos, os ministros que integram o STF tinham tornado extinta a exigência da formação escolar, específica e em nível superior, para o registro de jornalista no Ministério do Trabalho e Emprego.   A surpresa de tantos cidadãos e cidadãs tinha duas motivações.

A primeira, pelo próprio conteúdo da decisão dos ministros. Como em uma sociedade moderna, com um grau de exigência na qualificação profissional cada vez maior, a Justiça brasileira sinaliza na direção contrária de todas as tendências mundiais de investir na educação e na especialização?  O mesmo cidadão que exige que o professor ou o médico do seu filho ou filha tenha a melhor formação possível tem a exata noção de que jornalismo também é um serviço de natureza essencialmente pública. Por isso, deve ser exercido com responsabilidade ética e apuro técnico, que exigem uma formação escolar de qualidade e continuada.

A outra razão da surpresa é igualmente revoltante e inexplicável. Porque esse assunto nunca apareceu na mídia antes? Quem impediu que um processo com esse alcance e que tenha se arrastado por mais de uma década, fosse levado ao conhecimento da sociedade? Porque os jornalistas, especialmente os com espaço nos meios tradicionais, ignoravam olimpicamente a polêmica?

Nos dias que se seguiram ao julgamento, na presidência da FENAJ, cansei de tentar responder ou explicar a omissão. Ao longo dos anos a Federação, os sindicatos em todo o Brasil fizeram centenas de atos, manifestos, audiências, panfletagens, passeatas. Assembleias, câmaras municipais, Congresso Nacional, reitores, OAB, ABI, estudantes, professores, gente do povo, milhares de posicionamentos públicos em apoio à luta dos jornalistas.  Nada vezes nada era publicado ou divulgado. Era um não assunto. Com honrosas e pontuais exceções, normalmente na mídia pública.

A repercussão da decisão do STF derrubou um dos principais argumentos dos editores e pauteiros: tema sem interesse público. Restaram a covardia, a alienação ou mesmo a adesão consciente aos ditames do patronato.

Todo esse nariz de cera é para acentuar mais uma demonstração típica desse comportamento nefasto ao jornalismo e à democracia.  No começo de dezembro do ano passado a Assembleia Legislativa aprovou por UNANIMIDADE um projeto de lei estabelecendo a exigência do diploma na contratação de jornalista no serviço público do Estado. Acompanhou o posicionamento de diversas outras assembleias e câmaras municipais. O julgamento do STF impede que a União exija o diploma para o registro profissional no Ministério do Trabalho. Não impede e não pode impedir que empresas ou governos definam critérios e qualificação na contratação de jornalistas ou qualquer outro profissional.  

Um dos primeiros atos do novo Governador de SC foi justamente vetar o projeto soberanamente aprovado pelo Legislativo. Vetou com um argumento pífio e obtuso, o de inconstitucionalidade.  Se o  governador Raimundo Colombo pretender que doravante o Estado só irá contratar jornalistas com doutorado, ninguém tem nada com isso. Basta ter uma lei que o autorize.

A aprovação do projeto, o veto, as motivações não mereceram nenhuma cobertura dos jornais, rádios e TVs de Santa Catarina.  Outra vez, nada vezes nada. Não se trata de defender que se abra artilharia  pesada contra o ato do governador. O que seria legítimo, mas insuficiente. Não se está exigindo coragem para enfrentar quixotescamente os interesses do baronato da mídia e promover uma revolução nas redações. Trata-se de defender a missão essencial da imprensa: informar, abrir espaço para o debate público e democrático.  Isso é jornalismo, o resto é armazém de secos e molhados.

Lamentavelmente a atual direção do Sindicato dos Jornalistas de SC parece não perceber essa realidade e que a disputa em torno dessa questão é essencialmente política e ideológica. Passados quase dez dias do veto, ainda está perdida em soluções legais e burocráticas. Ou angaria apoio na sociedade e organiza a categoria num amplo e vigoroso movimento para derrubar o veto, ou seremos, todos, derrotados.

Sérgio M. de Andrade – Jornalista, Diretor da FENAJ

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