segunda-feira, 28 de fevereiro de 2011

Seja um jornalista de verdade: Sindicalize-se


Dilma e Gandhi: o sal e o pré-sal

Samuel Lima*

            O gesto de um homem chamado Mahatma Ghandi atravessou o tempo. Corriam os anos 1930 e os tiranos ingleses haviam proibido a extração e comércio de sal em território indiano porque pretendiam eliminar qualquer competição com o seu produto. A decisão dos colonizadores condenava milhares de pessoas à fome porque colher sal era crime. Desafiando a ordem injusta, um homem aparentemente frágil catou um punhado de sal, numa praia de Gujarat, ergueu o punho e começou a luta efetiva pela independência do país, que seria vitoriosa 20 anos depois. Um homem, um punhado de sal e um gesto que mudou a História.

            Dilma Rousseff, que comanda um governo cuja jóia são as riquezas existentes na camada pré-sal, pode ter marcado sua trajetória no poder a partir de outro gesto simbólico. No dia 21 de fevereiro, Dilma foi ao encontro de seus algozes, “comemorar” o aniversário de 90 anos do jornal Folha de S. Paulo. Mais que uma simples visita de cortesia a um veículo que publicou sua ficha falsa na capa (e jamais fez nenhuma autocrítica) e respaldou um de seus colunistas mais conhecidos a xingá-la de “vadia e vagabunda”, ela fez um discurso incompreensível àqueles que lutam pela liberdade de expressão e o direito à comunicação no país. A síntese é clara: “Ao comemorar o aniversário de 90 anos da Folha de S.Paulo, este grande jornal brasileiro, o que estamos celebrando também é a existência da liberdade de imprensa no Brasil”.

            Gesto e discurso são objetos de intenso debate na blogosfera, a partir de alguns conhecidos “blogueiros sujos” (assim chamados por José Serra), que na recente disputa eleitoral posicionaram-se ao lado da presidenta. O jornalista Leandro Fortes escreveu:

O pecado capital de Dilma foi ter, quase que de maneira singela, corroborado com a falsa retórica da velha mídia sobre liberdade de imprensa e de expressão. (...) A presidenta usou como seu o discurso distorcido sobre dois temas distintos transformados, deliberadamente, em um só para, justamente, não ser uma coisa nem outra. Uma manipulação conceitual bolada como estratégia de defesa e ataque prévios à possível disposição do governo em rever as leis e normas que transformaram o Brasil num país dominado por barões de mídia dispostos, quando necessário, a apelar para o golpismo editorial puro e simples.
(Fonte: http://brasiliaeuvi.wordpress.com)

            O repórter especial de CartaCapital enxerga, na atitude de Dilma, algo a mais. Trata-se, para Fortes, de “uma concessão que está no cerne das muitas desgraças recentes da história política brasileira, baseada na arte de beijar a mão do algoz na esperança, tão vã como previsível, de que esta não irá outra vez se levantar contra ela. Ledo engano. (...) A presidenta conhece a verdadeira natureza dos agressores. Deveria saber, portanto, da proverbial inutilidade de se colocar civilizadamente entre eles”, vaticina o jornalista. Já o blogueiro Altamiro Borges, observa a cena a partir de duas interpretações possíveis:

Os mais otimistas afirmam que Dilma cumpriu o seu papel de chefe de Estado, que não tinha como evitar o ritual – junto com ela estiveram os presidentes do Senado e da Câmara, ministros do STF e lideranças políticas de distintos partidos. Já os mais incrédulos criticam a participação da presidenta na homenagem aos algozes da Folha. Alguns suspeitam que sua atitude sinalize nova cedência aos barões da mídia.
Fonte: http://altamiroborges.blogspot.com

            Ao coro dos contentes veio se juntar o jornalista Alberto Dines, decano do Observatório da Imprensa, em comentário radiofônico publicado no OI (25/02/11). Para Dines, a participação da presidenta nos 90 anos da Folha é parte da "Doutrina Dilma para a Mídia". Para o Observador, sua presença no convescote dos Frias é uma “saudação a uma imprensa livre e plural”.

            Estranha coincidência, três dias depois coube ao ministro das Comunicações, Paulo Bernardo (PT), “suitar” a fala de Dilma na festa da Folha. Bernardo foi categórico e sinalizou o recuo, já desqualificando o projeto herdado do governo Lula: só irá encaminhar o projeto do novo marco regulatório do setor no segundo semestre, à apreciação do Congresso Nacional, porque “tem grandes chances de ter uma besteira no meio” (grifo nosso). Por “besteira” entenda-se algo que possa contrariar os interesses dos empresários da comunicação...

            Mais que meia palavra, basta um gesto para bons e maus entendedores. Ao invés de um punhado de sal erguido contra os grilhões da ditadura midiática, a mandatária maior do país preferiu desafiar a lógica política. O enigma está posto e o maestro Nilson Lage (professor aposentado da UFSC) deu algumas pistas, em seu twitter: “Tia Dilma na festa da Folha é prova de feminina astúcia, de fragilidade confessa, de amnésia, de ingenuidade ou de falta de vergonha na cara...”. A ver.

(*) Jornalista, docente da Faculdade de Comunicação da UnB. É professor-visitante do curso de jornalismo da UFSC e pesquisador do objETHOS.

quinta-feira, 24 de fevereiro de 2011

Justiça condena Globo, RBS e Estado de Santa Catarina pelo caso do falso "Maníaco da Bicicleta"

"Retrato falado" de Aluísio, publicado no A Notícia em 7 de novembro de 2000. Foto foi fraudada pela Polícia Civil para "acalmar"  a sociedade. Imagem foi divulgada em rede nacional pelo Fantástico, da Globo
Leonel Camasão
O Grupo RBS, a TV Globo e o Estado de Santa Catarina foram condenados nesta quinta-feira (24) pela Justiça de Joinville a indenizar o cidadão Aluísio Plocharski em R$ 270 mil. A decisão é resultado de uma ação movida pela família de Aluísio, falsamente acusado de ser o "Maníaco da Bicicleta" , criminoso que ficou conhecido na cidade por ser autor de vários crimes sexuais em Joinville.

O caso ocorreu no final do ano 2000, quando mulheres foram atacadas por um estuprador que se movia na noite da cidade em uma bicicleta. O medo tomou conta da cidade, e o caso ganhou repercussão na imprensa. Para acalmar a populaçã, a Polícia Civil de Joinville fraudou um retrato falado a partir de uma foto de Aluísio Plocharski. A foto foi digitalizada e alterada para se parecer com um retrato falado e foi publicada no jornal A Notícia. 

A história se repetiu

A operação foi comandada pelo delegado de polícia José Dirceu Silveira Júnior, que hoje, comanda a Delegacia de Trânsito em Joinville. Dirceu também comandou a operação que prendeu o pedreiro Oscar do Rosário, acusado de estuprar uma criança e afogá-la na pia batismal de uma igreja adventista, em Joinville. O caso é bastante polêmico, mas não há evidências de que Oscar seja o culpado. Recentemente, ele foi inocentado pelo Tribunal de Justiça de Santa Catarina.

Com a divulgação do retrato, o rosto de Aluísio foi parar no dominical Fantástico, da TV Globo, e sua vida foi destruída. Perdeu o emprego, amigos, começou a ser apontado na rua e quase foi vítima de linchamentos. Com o seu rosto exposto como se fosse o de um bandido em série, Aluísio se viu cercado dentro de casa,  não conseguiu emprego, quase acabou agredido por populares nas poucas vezes em que arriscou sair à rua e ainda teve sua imagem manchada pra sempre. Inocente, ele se viu preso dentro de casa, com graves implicações psicológicas. O verdadeiro responsável pelos estupros era o mecânico ferramenteiro, Marlon Cristiano Duarte, 26 anos, que foi reconhecido por todas as vítimas.

quarta-feira, 23 de fevereiro de 2011

FOLHA, 90 ANOS: Dilma na cova dos leões

Por Leandro Fortes em 23/2/2011

Reproduzido do blog do autor

Na íntegra do discurso de Dilma Rousseff proferido na cerimônia de aniversário de 90 anos da Folha de S.Paulo, disponibilizado na internet pela página do Portal UOL, lê-se, não sem certo espanto: "Estou aqui representando a Presidência da República. Estou aqui como presidente da República". Das duas uma: ou Dilma abriu mão, em um discurso oficial, de sua batalha pessoal para ser chamada de "presidenta", ou, mais grave, a transcrição de seu discurso foi alterada para se enquadrar aos ditames do anfitrião, que a chama ostensivamente de "presidente", muito mais por birra do que por purismo gramatical.

Caso tenha, de fato, por conta própria, aberto mão do título de "presidenta" que, até então, lhe parecia tão caro, este terá sido, contudo, o menor dos pecados de Dilma Rousseff no regabofe de 90 anos da Folha.

Explica-se: é a mesma Folha que estampou uma ficha falsa da atual presidenta em sua primeira página, dando início a uma campanha oficial que pretendia estigmatizá-la, às vésperas da campanha eleitoral de 2010, como terrorista, assaltante de banco e assassina. A ela e a seus companheiros de luta, alguns mortos no combate à ditadura.

Ditadura, aliás, chamada de "ditabranda", pela mesma Folha.

Esta mesma Folha que, ainda na campanha de 2010, escalou um colunista para, imbuído de sutileza cavalar, chamá-la, e à atual senadora Marta Suplicy, de vadia e vagabunda.

Essa mesma Folha, ora homenageada com a presença de Dilma Rousseff.

Posições antagônicas

Digo o menor dos pecados porque o maior, o mais grave, o inaceitável, não foi o de submeter a Presidência da República a um duvidoso rito de diplomacia de uma malfadada estratégia de realpolitik. O pecado capital de Dilma foi ter, quase que de maneira singela, corroborado com a falsa retórica da velha mídia sobre liberdade de imprensa e de expressão. Em noite de gala da rua Barão de Limeira, a presidenta usou como seu o discurso distorcido sobre dois temas distintos transformados, deliberadamente, em um só para, justamente, não ser uma coisa nem outra. Uma manipulação conceitual bolada como estratégia de defesa e ataque prévios à possível disposição do governo em rever as leis e normas que transformaram o Brasil num país dominado por barões de mídia dispostos, quando necessário, a apelar para o golpismo editorial puro e simples.

A liberdade de expressão que garantiu o surgimento de uma blogosfera crítica e atuante durante a guerra eleitoral de 2010 nada tem a ver com aquela outra, defendida pela Associação Nacional dos Jornais, comandada por uma executiva da Folha de S.Paulo. São posições, na verdade, antagônicas. A Dilma, é bom lembrar, a Folha jamais pediu desculpas (nem a seus próprios leitores, diga-se de passagem) por ter ostentado uma ficha falsa fabricada por sites de extrema-direita e vendida, nas bancas, como produto oficial do DOPS. Jamais.

Prisioneiros políticos

Ao comparecer ao aniversário da Folha, a quem, imagina-se, deve ter processado por conta da ficha falsa, Dilma se fez acompanhar de um séquito no qual se incluiu o ministro da Justiça. Fez, assim, uma concessão que está no cerne das muitas desgraças recentes da história política brasileira, baseada na arte de beijar a mão do algoz na esperança, tão vã como previsível, de que esta não irá outra vez se levantar contra ela. Ledo engano. Estão a preparar-lhe uma outra surra, desta feita, e sempre por ironia, com o chicote da liberdade de imprensa, de expressão, cada vez mais a tomar do patriotismo o status de último refúgio dos canalhas.

Dilma foi torturada em um cárcere da ditadura, esta mesma, dita branda, que usufruiu de veículos da Folha para transporte e remoção de prisioneiros políticos – acusação feita pela jornalista Beatriz Kushnir no livro Cães de guarda (Editora Boitempo), nunca refutada pelos donos do jornal.

A presidenta conhece a verdadeira natureza dos agressores. Deveria saber, portanto, da proverbial inutilidade de se colocar civilizadamente entre eles.

terça-feira, 15 de fevereiro de 2011

A luta se vence na rua

Celso Vicenzi
Jornalista - Florianópolis/SC

A revolução popular no Egito, que derrubou o ditador Hosni Mubarak e seu vice, Omar Suleiman, tem sido saudada como uma vitória das novas tecnologias, pelo papel que twitter, facebook e outras ferramentas tecnológicas de última geração desempenharam na comunicação entre os manifestantes. No entanto, a grande lição  dessa vitória popular é uma só: a revolução se faz nas ruas. Foi assim também na Tunísia, onde o ex-presidente Zine El Abidine Ben Ali, no poder há 23 anos, teve que fugir do país após uma onda de protestos.

Toda tecnologia virtual é bem-vinda para facilitar a comunicação entre as pessoas, mas é a ação de gastar a sola de sapato e empunhar cartazes, faixas e bandeiras nas ruas, em direção aos centros do poder, que faz toda a diferença.  

Na guerra também é assim. Os militares sabem que nenhuma guerra é ganha apenas com o uso da Marinha ou da Aeronáutica. É preciso ocupar, palmo a palmo, o território inimigo. A verdadeira luta se faz no chão. Desde as primeiras guerras até as atuais, altamente sofisticadas. Os Estados Unidos usaram principalmente a aviação para destruir toda a infraestrutura do Iraque. Mas, quando tiveram que usar seus soldados para ocupar cada rua, quadra ou esquina, as baixas foram se multiplicando e já estão próximas a 5 mil, forçando o governo norte-americano a anunciar a retirada gradual daquele território. Depois do Vietnã, mais uma guerra perdida. E no Afeganistão parece que não será diferente. 
Ninguém dobra a resistência de um povo disposto a lutar.

Não se deve esquecer que os Estados Unidos e vários países europeus apoiaram o ditador egípcio que, tal qual um faraó, já se mantinha há 30 anos no poder. Cabe questionar também por que a mídia, tão constante em suas críticas a Cuba e ao Irã, por exemplo, nunca se referia ao Egito como uma ditadura. Há muitas outras ditaduras apoiadas pelas principais potências ocidentais - e nunca apontadas pela mídia - que não se cansam, porém, de enaltecer as virtudes da democracia. Mas isso já é outro assunto... 

Foi o povo nas ruas quem fez a revolução russa. Foram 11 milhões de trabalhadores e estudantes franceses que inspiraram gerações em todo o mundo, em maio de 1968, a lutar por mudanças. Mobilizações nas ruas foram cruciais para a retomada da democracia no Brasil, com o movimento das Diretas Já. Graças aos gritos que vieram das ruas, o Congresso Nacional tirou do poder o então presidente Fernando Collor de Mello, por meio de um impeachment. 

Na internet são muito comuns os abaixo-assinados. Tem para todos os gostos e todos os credos. Eles são importantes para tomar consciência sobre alguns fatos que precisam ser mudados ou para impedir retrocessos e perda de direitos sociais. Mas costumam ser insuficientes para obter sucesso nas causas que defendem. Só mesmo quando milhares de pessoas tomam consciência, se unem nas ruas e pressionam as autoridades, aumentam as chances de vitória. É preciso abandonar o conforto das residências e a comodidade do computador e ir para o meio da rua enfrentar riscos. Que não são pequenos. Estima-se em mais de 300 o número de mortos no Egito, com milhares de feridos. Mas o destemor e a persistência do povo mudaram novamente a história. A luta por mais dignidade e democracia no Egito está só começando. Mas um passo importante foi dado.

Ditadores e seus exércitos fortemente armados nunca resistiram à coragem de um povo que decide levar às ruas e às praças as lutas nas quais acreditam. Sempre que um povo toma consciência da sua força e diz "basta", a queda de quem o oprime é só uma questão de tempo. No Egito, exatos 18 dias. 

Uma lição há muito conhecida e que não devemos esquecer.

domingo, 13 de fevereiro de 2011

Jantar de confraternização!

Os segredos, a nova transparência e a informação

Por Francisco José Castilhos Karam em 8/2/2011
Reproduzido do objETHOS
Neste início de ano, o advogado Joanisval Brito Gonçalves (consultor legislativo do Senado para a área de Relações Exteriores e Defesa Nacional e para a Comissão Mista de Controle das Atividades de Inteligência do Congresso, além de ex-analista de informações da Abin – Agência Brasileira de Inteligência), lançou, pela editora Impetus, o livro Políticos e espiões – o controle da atividade de inteligência. No livro, analisa os abusos de e possíveis controle sobre órgãos de inteligência. No caso, trata do serviço secreto brasileiro e dos governos em geral, ou melhor dizendo, dos estados.
Todo Estado democrático de Direito e todo Governo e Nação têm, em geral, suas formas de controle e fiscalização da vida pública e, em muitos casos, da vida particular. E mais: têm, institucionalmente, formas de espionagem consagradas. Isto é um atestado de que a transparência social, a liberdade individual e grande parte da vida pública vivem sob monitoramento das ações "em segredo". Há até mesmo concurso para "espião", que, claro, não leva oficialmente o nome.
Também neste início de ano, as revoltas populares na Tunísia e no Egito, por exemplo, foram intensificadas e estimuladas por novas mídias, por redes sociais que ultrapassaram o âmbito do segredo e deram dimensão pública planetária a fatos e versões que fugiram ao controle dos órgãos de inteligência e do "segredo" público a que muitas manifestações, inconformidades ou movimentos sociais rebeldes são submetidos.
Ainda neste início de 2011, foi indicado ao prêmio Nobel da Paz o site WikiLeaks, de Julian Assange, que deixou muitos governos e órgãos de inteligência com a "alma" à mostra, desmentindo versões, revendo fatos e expondo, perante a vida pública, aspectos de "segredos" que gostariam de manter muitos Estados teocráticos, autoritários, ditatoriais ou democráticos de direito. O autor da proposta aprovada, Snorre Valen, membro do Parlamento norueguês, anunciou a indicação do WikiLeaks considerando o site "um dos mais importantes colaboradores para a liberdade de expressão e transparência".
Cenário novoHá pontos que unem os três contextos, o de um livro sobre órgãos de inteligência, o das revoltas populares e o do site WikiLeaks.
A tecnologia não é tudo mas é também uma forma de propor conteúdos, disseminá-los e integrá-los a um novo cenário público, que pode ser macro, médio ou micro. Reconhece-se, hoje, que estamos diante de um novo quadro que redefine os papéis sociais dos informantes, dos profissionais e da própria democracia, isto é, aquele que aponta para uma transparência sem "segredos".
Há dois aspectos que mereceriam, ao menos, comentários.
O primeiro é sobre a separação entre vida pública e vida privada. Se um Estado, um governo e um órgão de inteligência investigam secretamente cidadãos e seus atos, a única justificativa seria o chamado "interesse público". No entanto, se o interesse público serve apenas como camuflagem para o interesse privado, não há como defender a não transparência e a sonegação de informações sobre fatos, documentos e declarações. É aí que aparece uma das mais relevantes contribuições do WikiLeaks. Neste caso, apenas a ética se sobrepõe ao direito, e sabemos que uma ética total e global só poderia existir se todos os interessados participassem e negociassem o presente e o futuro. E isto requer, por antecipação, transparência total, algo para o qual o site de Assange claramente contribui.
O segundo aspecto é quanto à possibilidade de controlar as novas mídias, as redes sociais e submetê-las à censura. Tecnologicamente, embora exista uma possibilidade cada vez mais remota, é também cada vez mais difícil fazer isso sem "engessar" o próprio sistema de governo, de empresas e da vida pública, com repercussões na vida particular, que é onde efetivamente aparecem os interesses. Seriam dois tiros no pé, um no próprio e outro no ideal democrático coletivo.
Neste novo cenário, que se redesenha e afirma a cada dia, "a democratização das comunicações", a "transparência informativa", a "liberdade de expressão", a contragosto de muitos governos e de numerosas mídias hegemônicas, tem, na tecnologia, aliado irreversível no início de século 21.
Direito sagradoPara o jornalismo, parece ser muito bom este cenário, porque os controles e constrangimentos operacionais, no dia-a-dia, terão de levar em conta tais aspectos e, se não for assim, podem levar à desmoralização a empresa, o veículo midiático e o profissional. Redobra-se a preocupação com a verificação, com as fontes, com a repercussão e com qualidade do texto e o acesso massivo a eles, como referência de credibilidade. Os poderes político e econômico (incluindo os relacionados à mídia) e militar, com "a alma à mostra", estão gradativamente sendo também constrangidos por uma transparência em que a tecnologia tem ajudado significativamente.
O jornalismo tem a ganhar muito com isso, mas não todo ele. Uma parte tenderá a ser pulverizada pelo "peso dos acontecimentos", como se dizia em relação à queda do Muro de Berlim. Parece cair o muro que separa a informação exclusiva e seletiva daquela que permite uma maior visibilidade de todos os aspectos da vida pública e dos interesses que envolve.
E nenhuma empresa poderá argumentar que, em nome dos negócios, devem ser sacrificadas a liberdade de informação e a democracia. Afinal, como dizem os códigos de ética e os princípios empresariais, escritos e repetidos à exaustão país afora, "liberdade de expressão não é uma prerrogativa dos meios e dos profissionais de comunicação – é um direito sagrado e constitucional dos cidadãos". Portanto, transparência total aos temas, fatos, versões e decisões que, produzidos publica ou privadamente, repercutem na vida pública e privada dos cidadãos.